sábado, 16 de junho de 2007

Pintar-te de Negro

E pensei que podia pintar-te... comecei pelos cabelos estranhamente encantadores, perfeitos no seu castanho claro como que dourado pelo sol... fui capaz de os pintar solenes como são, finos, suaves. Depois a tua face magra, calva, coberta de mistérios, os teus olhos negros, dessa negrura que irradia luar à volta como um novo amanhecer a medo do dia, as pestanas fiéis às sobrancelhas igualmente longas, o nariz pequenino, redondinho, a tua boca, páro aqui na tua boca, lábio inferior mais carnudo que o superior, no superior quase se desenha a parte de cima de um coração perfeito, páro e penso, relembro, sabor doce da tua boca, sabor doce indiscritível... perco-me na tua boca , não quero continuar a pintar, dos meus olhos já tristes caem lágrimas de nostalgia. Bela esta recordação de ter-te, tocar-te a face coberta de mistérios, empalidecer com medos e receios negros que carregas ainda e que nunca me foste capaz de contar.
Custa-me hoje o que não foi, o que não me disseste e dói, dói sentir que em ti carregas um sentimento qualquer que não me soubeste transmitir, depois choro assim, choro continuado, demorado, em alarme como uma prece por ti, choro porque sei que ainda hoje te questionas e te duvidas e o teu mundo sem norte continua a ser igual... Quisera eu tirar-te o peso da cruz que carregas, eu sei que a carregas escusas de negar, quisera eu ser capaz de a carregar por ti, pudera eu conseguir ver sequer o que vai dentro de ti. Quando me aproximo afastas-me, quando me afasto chamas-me, quando estou a meio do caminho choras e ris e tornas-te confuso... O que se passa? Sei que já nada resta de nós a não ser uma amizade pura e bela que pretendo manter , só queria entender o que se passa dentro de ti, que preto tão forte é esse, que luto é o teu... O que se passa?
E pensei que podia pintar-te, na minha tela a tua face nítida como se encontra na minha memória, no meu coração, na minha mão todas as cores possíveis e inimagináveis, todas intactas só o preto usei... Porquê tanta negrura? Porquê?

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